Era
final de inverno, quando o meu pai estava ouvindo o rádio na salinha de estar
da nossa casinha de quatro águas, na Fazenda Cachoeira Grande. Uma notícia
trágica o deixara triste, “Getúlio Vargas se suicidou”, ele disse para a minha
mãe e eu com uma voz engasgada.
Naquele
tempo, as coisas não estavam indo muito bem, estava faltando roupas e até mesmo
o que comer. Eu não experimentava um pedaço de carne seca havia semanas. Tudo
estava caro, dizia meu pai. Eu não entendia nada de inflação, mas essa era a
palavra mais usada quando ele chegava da feira.
Meus
irmãos e eu não podíamos estudar, pois além de não ter escola por perto,
tínhamos que trabalhar na lavoura de feijão, arroz, mandioca, milho e café para
ajudar no sustento da casa. Os poucos “réis” que o meu pai ganhava, mal dava
para fazer a feira da semana e a farinha, não podia faltar na nossa mesa.
Eu
tinha somente dez anos de idade, mas me lembro como se fosse hoje. A minha mãe
fazia uma farofa deliciosa de “bofe” com arroz, o açafrão deixava a farinha que
antes branquinha, amarelada. Não se via muitos pedaços de bofe ou de caroços de
arroz, mas comíamos aquilo tudo embaixo do pé de café. Nessa rotina, passávamos
a semana inteira.
Nesse
vai e vem, de casa para a roça e da roça para casa, a única coisa para brincar
eram as bonecas feitas de uma espiga de milho que eu pegava na roça.
A
minha mãe era uma artista espetacular. Fazia as nossas roupas com um pano
estampado comprado na feira, chamado chita. Um minutinho com uma linha e uma
agulha na mão, ela criava e recriava diversos vestidos, saias, blusas, calças para
mim e até casacos com outros panos, para os meus irmãos mais velhos.
Um
dia, já mocinha, acordei toda ensanguentada. Fiquei com muito medo, mas minha
mãe logo me deu uma série de explicações sobre menstruação e, por causa destas
benditas regras, tive que usar uns pedaços de pano parecidos com fraldas, durante
três ou quatro dias em cada mês. Eu achava aquilo horrível, mas com o passar
dos tempos me acostumei.
Com
os meus quinze anos de idade, o meu pai já falava em casamento, mas eu não dava
“ligança”, quando ele falava desse assunto. Eu até namorava, mas o namoro não
era igual os de hoje. Naquele tempo eu ia aos bailes de casamento, nas festas
de igreja e, quando os rapazes se interessavam por mim, eles me enviavam
bilhetes. A gente conversava e pegava nas mãos uns dos outros, dançávamos forrós
ao som da sanfona até o dia clarear.
No
outro dia, o meu namorado ia até a minha casa conversar com o meu pai para
pedir permissão para namorar comigo.
Depois
de muitos anos me casei e vivia andando pelo Brasil a fora procurando trabalho
para poder ter uma vida melhor e criar os filhos. Nessa aventura morei em Minas
Gerais, São Paulo, Paraná e em outras cidades do interior da Bahia. O engraçado
de tudo é que em cada lugar que eu morava eu paria. Tenho filhos registrados em
vários lugares.
Como
a idade ia chegando, ficamos cansados de tanto trabalhar e viajar. Fizemos uma
casinha na Fazenda Cachoeira Grande e daqui eu só saio para o cemitério.
DIAS. Viviane Luz. Memórias Literárias: De volta para minha terra. Produção orientada pelo professor Euler Jackson Jardim dos Santos em agosto de 2016 no CEJSP - Centro Educacional Jerosmiro dos Santos Pereira. Povoado de Placa, Barra da Estiva Bahia. Disponível em: https://prosasobreversos.blogspot.com/
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